2021-04-29 (IPMA)
Durante a tarde do dia 24 Abril 2021 Portugal continental encontrava-se sob a ação da tempestade Lola. Na sua circulação a depressão transportava sobre o território uma massa de ar instável (CAPE entre 600 e 1000 J/kg), com valores de água precipitável relativamente expressivos (26 mm). O nível da isotérmica de zero situava-se a cerca de 2700 m de altitude, verificando-se também a disponibilidade de wind shear vertical na camada 0-6 km.
Este ambiente era favorável a: 1) transporte rápido da água para níveis muito elevados, produzindo o seu brusco arrefecimento e consequente formação e deposição de granizo em núcleos convectivos (assim designados os volumes situados no interior das torres convectivas em que ocorre a deposição de hidrometeoros densos e relativamente pesados como é o caso do granizo; este pode, ou não, cair no solo, em função da estrutura vertical da troposfera); 2) crescimento prolongado das pedras de granizo, devido à separação entre as correntes convectivas ascendentes e descendentes, mantida pelo referido wind shear.
O radar de Arouca/Pico do Gralheiro (A/PG) permitiu efetuar a monitorização detalhada de um aglomerado convectivo que evoluiu de Sul para Norte, a Este da cidade de Coimbra, após as 16 UTC (17 h, hora local) do dia 24 abril. Pelas suas caraterísticas, incluindo valores de refletividade especialmente elevados, esta perturbação justificou a emissão de um aviso de precipitação para os distritos de Aveiro e Viseu por parte do IPMA, tendo-se verificado que a atividade convectiva associada veio a desenvolver-se sobre uma área pouco habitada, embora relativamente extensa, situada na zona de fronteira entre os dois distritos. Como por vezes se verifica em sede de Nowcasting (previsão de muito curto prazo) envolvendo atividade convectiva relativamente isolada, é possível que fenómenos afetem áreas da qual não cheguem relatos.
Conforme revelado pelo radar de A/PG, este aglomerado convectivo era caraterizado pela presença de valores de refletividade (Z) com elevada magnitude (por vezes superior a 60 dBZ) e a grande altitude (entre 3000 m e 4000 m), sinónimo da presença de movimentos verticais ascendentes extremamente vigorosos. Seguindo as observações disponíveis em corte vertical foi possível identificar elevados valores de refletividade (≈59 dBZ) a cerca de 3000 m de altitude pelas 16:10 UTC (Fig 1, painel da direita, em cima). Nessa região do núcleo convectivo os hidrometeoros foram classificados como granizo (Fig 1, painel da direita, em baixo), classificação que constitui uma das mais-valias da tecnologia de polarização dupla incorporada no sistema de radar de A/PG. No entanto, àquela hora, o algoritmo classificativo indicava também que sob o mesmo núcleo de convecção, a cerca de 1000 m de altitude, a precipitação ocorria sob a forma de chuva e a grandeza refletividade diferencial (ZDR), um dos momentos polarimétricos processados, revelava que se tratava de gotas de grande dimensão (ZDR com valores entre 2 e 4 dB, grandeza não mostrada no painel, mas assinalada na área com retângulo, Fig 1, painel da direita, em baixo). A esta hora era ainda visível a extensa bigorna projetada para Norte, representativa da presença de vento forte em níveis elevados (Fig 1, painel da direita, em cima).
Pelas 16:30 UTC, numa fase mais madura do aglomerado convectivo, foram identificados valores de refletividade de ainda maior magnitude (≈64 dBZ) a 3000 m de altitude (Fig 2, painel da direita, em cima), novamente classificados como granizo no núcleo da convecção (Fig 2, painel da direita, em baixo). Em torno de 5000 m de altitude, o granizo corresponderia a pedras de grande dimensão, por indicação da refletividade diferencial (com valores de -2 dB, grandeza não mostrada no painel, mas assinalada com retângulo, Fig 2, painel da direita, em baixo). A presença de granizo de grande dimensão a esta altitude é invulgar e reflete a extensão vertical e intensidade das correntes ascendentes presentes.
Ainda que se encontre em fase exploratória, esta tecnologia de polarização dupla que presentemente equipa já 3 dos radares da rede nacional, permite discriminar diversos tipos de hidrometeoros e, por vezes, detalhar outras caraterísticas, como a sua dimensão média, embora se trate de observações efetuadas a altitudes elevadas.
Legendas das figuras associadas:
Fig 1 – Imagem de PPI de refletividade (em dBZ), baixa elevação, com indicação do segmento de corte orientado “AB” efetuado (painel da esquerda). Corte vertical “AB” efetuado sobre o campo da refletividade (painel da direita, em cima), com indicação de refletividade com elevada magnitude (59 dBZ) e assinatura de bigorna. Corte vertical “AB” efetuado sobre o campo da classificação do tipo de hidrometeoros e indicação da presença de gotas de grande dimensão (painel da direita, em baixo). Radar de Arouca/PG, 16:10 UTC, 24 Abril 2021.
Fig 2 - Imagem de PPI de refletividade (em dBZ), baixa elevação, com indicação do segmento de corte orientado “AB” efetuado (painel da esquerda). Corte vertical “AB” efetuado sobre o campo da refletividade (painel da direita, em cima), com indicação de refletividade com elevada magnitude (64 dBZ). Corte vertical “AB” efetuado sobre o campo da classificação do tipo de hidrometeoros e indicação da presença de granizo de grande dimensão (painel da direita, em baixo). Radar de Arouca/PG, 16:30 UTC, 24 Abril 2021.
Imagens associadas
Fig 1 – Imagem de PPI de refletividade (Radar de Arouca) 1
Fig 2 - Imagem de PPI de refletividade (Radar de Arouca) 2