2015-11-19 (IPMA)
Conforme anterior notícia publicada pelo IPMA na sua página Internet, o dia 7 de junho foi marcado pela ocorrência de rajadas de vento forte no sul do território do continente. Os elementos inicialmente disponíveis apontavam para uma situação com incidência sobre as áreas de Lisboa e Setúbal, tendo um estudo posterior, de que se dá resumidamente conta nesta notícia, revelado ter-se tratado de um episódio de escala espacial superior. Afetou uma área muito extensa compreendendo o sul do território português e uma parte das províncias espanholas da Estremadura e Andaluzia.
O recurso a produtos de modelos de previsão numérica do tempo, bem como a elementos de observação remota (satélite, radar), de observações de superfície e de observações aerológicas (radiossondagem) permitiu caraterizar a atmosfera aos diversos níveis, com enfoque sobre a área situada a sudoeste da península Ibérica. Foi, assim, possível diagnosticar a causa para os inúmeros relatos de vento forte produzidos na área de interesse sobre o território e acompanhar a propagação da perturbação gerada sobre este.
Na referida região sobre o mar, em particular a partir da madrugada daquele dia, verificou-se que a atmosfera sustentava a formação de nuvens com desenvolvimento vertical, mas com bases particularmente elevadas, estando disponível instabilidade modesta mas até níveis elevados. Adicionalmente constatou-se a presença de um elevado teor em água precipitável. Neste contexto seria de presumir a formação de uma massa nebulosa com grande potencial precipitante, isto é, com capacidade para produzir bastante precipitação. No entanto, verificou-se igualmente a presença de duas camadas de ar seco, a mais baixa das quais coincidindo com o troço da atmosfera situado abaixo da base das nuvens e a mais elevada coincidindo com o terço superior da mencionada massa nebulosa.
Todos estes ingredientes foram determinantes para os fenómenos que viriam a ocorrer. A mistura de bolsas de ar seco com a massa nebulosa das suas vizinhanças, em altitude, gera forte evaporação e sublimação dos hidrometeoros presentes a esses níveis altos (gotículas de água, gotas de chuva e cristais de neve e de gelo). Como consequência podem ocorrer extensos fenómenos de dissipação dos topos das nuvens, acompanhados por perda de calor latente por parte do ar seco envolvido no processo. Dada a grande extensão vertical da atmosfera em que estes fenómenos se verificaram, foi possível a formação de fortes correntes de ar descendentes organizadas. Estas correntes seriam originalmente ricas em hidrometeoros (incluindo gotas de chuva) mas aos níveis baixos já deveriam ter perdido parte do conteúdo em água, situação que seria reforçada pela presença de ar seco entre a base das nuvens e a superfície. Estas correntes descendentes de ar frio, já sem precipitação mas sofrendo processos de aceleração em relação ao solo, convertem-se em escoamentos horizontais (de ar relativamente húmido) ao contactar com a superfície, propagando-se em regime turbulento. Sob condições favoráveis, estes escoamentos podem propagar-se a grande distância do local de origem.
Reunidas estas condições no dia 7 de junho, as observações de refletividade efetuadas pelo radar de Loulé/Cavalos do Caldeirão (L/CC) revelaram que numa região situada a sudoeste do Cabo de Sagres, ao início da tarde daquele dia, se verificou justamente um destes fenómenos, sendo possível constatar uma súbita diminuição da altitude dos topos das nuvens, conforme ilustrado pela animação representada na figura 1. Este fenómeno materializou-se, pouco depois, pela propagação do que se denomina por outflow convectivo – um escoamento horizontal, geralmente de caráter turbulento, originalmente produzido por uma corrente descendente organizada, associada a atividade convectiva.
Sobre terra, a disponibilidade de observações de superfície numa rede relativamente densa permitiu identificar os vários instantes em que a perturbação afetou cada local e, assim, traçar um mapa de isócronas. Esse mapa, representado na figura 2, contém linhas unindo os pontos afetados pelo fenómeno no mesmo instante. A chegada do outflow a um determinado local traduz-se pela substituição da massa de ar que se encontrava sobre a área, por ar mais frio (portanto mais denso, logo mais pesado) e mais húmido. Essa substituição é frequentemente acompanhada por rajadas de vento forte que, no presente episódio, chegaram a valores próximos de 80 km/h, como a figura 3 exemplifica para o caso da estação do Instituto Geofísico do Infante D. Luís (IGIDL, Lisboa). Em situações favoráveis, os sistemas de radar meteorológico conseguem identificar linhas de refletividade que resultam dos processos de convergência associados à propagação de outflows convectivos. A figura 4 representa a localização da linha de refletividade observada pelo radar de L/CC em diferentes instantes, durante a tarde de 7 de junho, conjuntamente com o mapa de isócronas já detalhado na figura 2. É interessante confirmar, numa análise comparativa, a coincidência quase perfeita entre a localização de uma certa isócrona e a localização da linha de refletividade num instante próximo. Qualquer das representações reflete a propagação do fenómeno, que se verificou de sudoeste para nordeste.