2013-12-05 (IPMA)
Por ocasião de um comunicado meteorológico publicado na página do IPMA relativo à ocorrência de um fenómeno do tipo tornado no passado dia 25/10/2013, sobre o mar ao largo da Ericeira, foi efetuada referência a um outro episódio de vento forte que havia sido objeto de relato no dia anterior do mesmo mês, por fontes da região de Constância (Ribatejo). Este último caso, pela sua invulgar complexidade, exigiu a recolha de diversos elementos e a elaboração de uma análise mais circunstanciada e detalhada. Algumas das conclusões retiradas na sequência do estudo efetuado apresentam-se seguidamente.
Pelas 16 horas locais (15 UTC) do passado dia 24 de outubro, na localidade de Montalvo (área urbana e industrial situada 3 quilómetros a Este de Constância) foram verificados, entre outros aspetos, a destruição de uma vedação, a destruição parcial da cobertura de edifícios industriais e habitacionais e a danificação de diversas viaturas. Aproximadamente à mesma hora, num local situado cerca de 1000 m a sueste do referido, foi igualmente sentida a ocorrência de vento muito forte, que deixou assinaturas no terreno, embora sem danos neste caso.
Com recurso a observações do radar de Coruche/Cruz do Leão (C/CL) e de outros campos observacionais, foi possível apurar que:
1) Uma perturbação atmosférica evidenciando atividade convectiva linearmente organizada, orientada e em movimento de sudoeste para nordeste, afetou as províncias da Estremadura, Ribatejo e Alto Alentejo, em particular no período compreendido entre as 13 e as 16 UTC do dia 24 de outubro;
2) Nesta perturbação, o perfil vertical do vento e a distribuição da instabilidade atmosférica em altitude, contribuíram para a organização de uma estrutura convectiva designada por Eco em Arco (Bow echo na nomenclatura anglo-saxónica); graças à presença de ar muito seco nas suas vizinhanças, esta forma convectiva é reconhecida por poder gerar vento muito forte à superfície, situação que ocorreu no presente caso;
3) Para além do fenómeno referido em 2, foi observado, com o auxílio do radar de C/CL, que no próprio Eco em Arco se organizou ainda um outro tipo específico de circulação, em níveis relativamente baixos (abaixo de 3000 m de altitude). Esta circulação não correspondeu a uma supercélula , mas antes a um mesovórtice , o qual se restringe a níveis mais baixos e apresenta uma duração inferior à típica de uma supercélula;
4) O Eco em arco que se formou, com uma circulação de mesovórtice embebida, produziu uma circulação particularmente forte justamente na área em que aos efeitos da presença do ar seco se somaram os do mesovórtice e, ainda, os do próprio movimento relativo de toda a estrutura convectiva em relação ao solo, verificado de sudoeste para nordeste.
5) A animação da Figura (ver em baixo) é formada por observações radar do tipo PPI (indicador de posição plana) numa elevação de 0.1⁰, das 14:56 UTC e 15:06 UTC, mostrando o campo da velocidade Doppler (m/s). As observações foram efetuadas a cerca de 350-400 m de altitude, ligeiramente antes e após o episódio do vento forte, que foi verificado na área assinalada com quadrado a negro. A seta indica o rumo da deslocação da perturbação, para referência (o radar encontra-se para sul, na zona de convergência das linhas azimutais).
São visíveis diversas linhas de máximos relativos na velocidade Doppler, em ambas as imagens da animação, sugestivas do fenómeno de vento forte que se verificou. Estas linhas resultaram da contribuição cumulativa dos fatores já apontados: circulação associada ao mesovórtice, ar seco associado ao eco em Arco e movimento relativo de todo o sistema em relação ao solo, de sudoeste para nordeste.
De acordo com as observações radar disponíveis terá sido numa região não urbanizada, situada entre Montalvo e a vila do Tramagal, que o vento mais forte se terá feito sentir. Estima-se que na região afetada as rajadas tenham excedido os 100 km/h em níveis próximos da superfície.
Este tipo de fenómeno cuja ocorrência tem vindo a ser documentada em território nacional há alguns anos, é de previsão extremamente complexa, mesmo com recurso a observações efetuadas com radar meteorológico. Por vezes, os seus efeitos são confundidos com os de um tornado embora se trate de fenómenos muito distintos.